Com inflação anual de 64% em junho, a Argentina registra o maior patamar desde 1992 e maior crescimento mensal desde 1990. O índice é cinco vezes maior que a inflação brasileira, que atinge 11,89% em junho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O aumento da inflação é a justificativa para elevação dos preços. No entanto, intriga os brasileiros que mesmo com uma inflação maior, a Argentina possui preços de combustíveis menores que no Brasil.
Uma família de ijuienses que esteve no fim de semana passada no país vizinho pagou o litro de gasolina a R$ 3,90. Em Ijuí, a média está R$ 5,90.
O analista de mercado, Argemiro Brum, explica que o cálculo da inflação, nos diferentes países, é feito a partir de uma média, conforme o peso de cada grupo de produtos na economia local e que a inflação da Argentina vem disparando há muito mais tempo, especialmente no setor alimentício.
Brum lembra que desde 2001, quando terminou a paridade de um por um entre o dólar e o peso, a economia argentina não conseguiu mais se equilibrar, piorando ano após ano. A partir de 2005, quando iniciaram as políticas populistas do governo Néstor Kirchner (2003 a 2007), colocou a Argentina em situação ainda pior. “O câmbio, desde então, foi levando o peso a perder força perante as moedas mundiais, inclusive o Real. Tais políticas, dentre outras coisas, subsidiavam os combustíveis no país vizinho. E, até então, a Argentina era autossuficiente em petróleo e combustíveis em geral. No entanto, a indústria petrolífera argentina sofreu o mesmo impacto de gestão que na Venezuela. Não houve investimentos do Estado nas refinarias e na cadeia produtiva em geral do petróleo”, disse, frisando que a Argentina passou a conviver com a falta de petróleo, por dificuldades de exploração, assim como de refino, passando a importar diesel e outros combustíveis. “O sistema de subsídios pouco se alterou, ajudando a colocar o País em maior dificuldade ainda, no que diz respeito ao déficit fiscal e à dívida pública. Com o agravante de que a Argentina possui baixas reservas cambiais, ao contrário do Brasil”, acrescenta.
Esta situação foi piorando com o passar dos anos, levando a crise fiscal a um extremo, que a moeda argentina se desvalorizou de tal maneira que, hoje, vale R$ 0,42. No Brasil, a forte desvalorização do Real é mais recente, começando no primeiro semestre de 2020, o que deu início a atual inflação mais elevada. Mesmo com o Banco Central brasileiro demorando para reagir, a alta dos juros (Selic) recente começou a fazer algum efeito contra a inflação, porém, os custos fiscais eleitoreiros, cada vez maiores, acabam atrapalhando o processo de ajuste por aqui também. “E aqui, no caso dos combustíveis, hoje não há subsídios como na Argentina. Tivemos isso até o final do governo Dilma Rousseff, em 2016, fato que quase quebrou a Petrobras (quase repetimos a Argentina neste caso), além da corrupção ali existente. A partir do governo Temer, a Petrobras adotou o atual sistema de reajuste de preços, o que a faz repassar os preços internacionais, assim como a desvalorização do Real, além dos custos de transporte e a margem de ganho da empresa.”
Com a desvalorização do Real a partir de 2020, e o aumento dos preços do petróleo no mercado mundial, especialmente após o início da guerra Rússia x Ucrânia, os preços dos combustíveis dispararam no Brasil, enquanto os argentinos continuaram subsidiando os produtos derivados do petróleo. Acontece que, de uns anos para cá, eles, ao passarem a importar combustíveis, acabaram gerando uma benesse enganosa para a população, pois o risco de desabastecimento local cresceu muito, enquanto o estouro das contas públicas piorou, levando a Argentina a uma crise que a empobrece cada vez mais, gerando inclusive um processo de estagflação. “O Brasil não chegou a esta situação ainda, porém, ultimamente vem flertando com essa possibilidade, o que é um perigo. Afinal, se continuar a baixar os preços de bens, como os combustíveis, açodadamente, via medidas imediatistas, como o caso da redução dos impostos, sem uma reforma tributária competente, corre o risco de chegar ao estágio econômico da Argentina logo adiante”, destaca Brum.
O analista lembra ainda que mesmo com o aumento do preço da gasolina na Argentina, o combustível do país vizinho é pura e de alta octanagem, ou seja, de alta qualidade. Já a nossa, possui 27% de mistura de álcool combustível (etanol). “Na prática, considerando o litro com a mistura em R$ 6,00, hoje, o valor do litro de uma gasolina pura, aqui, está em R$ 8,22”, finaliza.
Subsídio deixa combustíveis mais barato na Argentina
