A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), implementada no início dos anos 2000, surge com o objetivo de estabelecer uma gestão fiscal responsável dos gastos públicos no Brasil a partir dos seguintes pilares: planejamento, responsabilização, controle e transparência. Porém, passados mais de 20 anos da vigência da legislação, o requisito de transparência ainda sofre prejuízos com interpretações jurídicas, em especial, na política de renúncias de receitas tributárias.
A medida, em geral, visa à promoção do desenvolvimento socioeconômico, com base em incentivos de segmentos da economia e regiões consideradas estratégicas, auxiliando na geração de empregos e elevação de investimentos para determinados setores.
Porém, a iniciativa tem gerado debates em razão dos altos valores envolvidos, dos possíveis privilégios a grupos específicos e, principalmente, da opacidade das informações que rodeiam a política.
“Toda a política pública, seja relacionada à educação, saúde ou meio ambiente, deve ser avaliada para que, a partir dessa análise, seja aperfeiçoada ou extinta caso não esteja funcionando”, explica Rosa Chieza, professora da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.
No caso das renúncias, essa tarefa era dificultada em razão do entendimento do artigo 198 do Código Tributário Nacional, que dizia: “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.
Com isso, informações relativas a incentivo, renúncia ou imunidade tributária cujo beneficiário fosse pessoa jurídica não eram repassadas, sob pena de responsabilização de quem o fizesse. Em dezembro do ano passado, no entanto, foi publicada a Lei Complementar 187/2021, que modificou o CTN, extinguiu o sigilo fiscal sobre os benefícios fiscais destinados a empresas e gerou a expectativa de uma grande evolução na transparência dessas medidas.
“A partir do momento que os entes federativos divulgarem os beneficiários, valores renunciados por empresa e também as metas que foram estabelecidas para a concessão de renúncia de receita, será possível analisar os resultados obtidos e aprimorar o monitoramento e avaliação de cada programa de concessão”, afirma o contador e mestre em economia Maik Antonio Moraes da Silva.
Com a edição da Lei Complementar 187/2021, a professora Rosa Chieza também espera que os tribunais de contas passem a não aprovar as contas dos poderes executivos, cujos dados de renúncias não forem devidamente divulgados. Além disso, considera importante que o poder público promova uma transparência ativa dessas informações, as difundindo em seus sites oficiais, sem que os interessados precisem recorrer à Lei de Acesso à Informação para obtê-las.
Outra preocupação mencionada por quem estuda o tema é se a União, os estados e os municípios estão respeitando as exigências previstas na LRF quanto à concessão de renúncias. Conforme o artigo 14 da lei, sempre que ocorrer renúncia de receita, o ente federativo deverá apresentar a estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o ano que se refere e para os anos seguintes. Também deve comprovar que o ato de renúncia foi considerado na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual (LOA) e evidenciar que as metas fiscais previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não serão afetadas. Ou, caso sejam, adotar medidas de compensação como elevação de alíquotas de impostos ou aumento da base de cálculo para viabilizar a medida.
Rosa, que – junto da estudante de Economia da UFRGS, Anne Kelly, analisou a renúncia da União às receitas no período de 2004 e 2020, afirma que essa compensação, ao menos em nível federal, acaba não acontecendo na prática. “Posso dizer que não há aderência. Basta ver que o nosso déficit primário em 2021 foi de R$ 70 bilhões e a renúncia neste ano está em torno de R$ 400 bilhões”, constata a professora.